terça-feira, 1 de julho de 2014

O Maluco Beleza

Raul Seixas viu, foi e falou de tudo. Viu Cristo ser crucificado e também as bruxas pegando fogo para pagarem seus pecados. Disse a todos para terem fé em Deus e na vida. Aos desesperados, ele avisou para tentarem outra vez, bastando levantar a mão sedenta e recomeçar a andar. Ele foi a luz das estrelas e também as coisas da vida. Maluco beleza que só ele, o cantor e compositor baiano nascido 10 mil anos atrás completaria, na verdade, 69 de vida dia 28 de junho de 2014.


Artista que sempre esteve além de seu tempo, escreveu canções primorosas, falou de problemas da Amazônia e que o Brasil não era dos brasileiros. Utopia ou não, ele sonhou com a tal sociedade alternativa, e tudo isso em plena ditadura militar. Seu disco de estreia, Raulzito e os Panteras, foi lançado em 1968. Foi o primeiro passo para que diversos registros viessem em seguida: Krig-ha, Bandolo!, Gita, O Dia em que a Terra Parou, Abre-te Sésamo e Metrô Linha 743. No total são 22 álbuns lançados em vida, fora os póstumos e as edições especiais, como as caixas 20 Anos Sem Raul Seixas e 10.000 Anos à Frente.

Dono de cancioneiro roqueiro com sotaque baiano misturado com baião, tempero latino e um pouco de blues, Raulzito, como era carinhosamente conhecido, morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de complicações do alcoolismo e diabetes. Mesmo quase 25 anos após sua morte e 40 anos após o lançamento de álbuns clássicos como Gita, seu legado segue firme e forte. Quem nunca ouviu em algum show musical o famoso bordão “Toca Raul?”

Celso Luiz, fotógrafo do Diário do Grande ABC, conviveu durante cerca de dois anos com Raul, de 1986 a 1988. A amizade nasceu despretensiosa. Celso conta que uma vez foi a uma coletiva de imprensa do baiano e o fotógrafo do Raul o convidou para ir até a casa do artista. “A partir daí passei a ir com frequência a casa do Raul. Passei também a registrar os shows dele”, diz. Uma das diversas fotos que Celso clicou de Raulzito rendeu a contracapa do disco Uah-bap-lu-bap-lah-béin-bum. “Recebi o que seria hoje algo em torno de R$ 1.500 pela foto, além de dez LPs, pena que não tenho mais nenhum deles.”

Celso conta que Raul era extremamente acessível. “Cheguei a levar alguns amigos meus para conhecê-lo. Ele acordava e bebia uísque com refrigerante, à tarde ficava meio ‘alto’ e chorava”, recorda-se. Mas Celso diz que Raul era muito inteligente e simples. “Ele era único, diferente de tudo, não vivia com luxo, na sua casa não tinha móveis. Tenho boas lembranças daquele período, aprendi muito com ele, aprendi também a gostar de boa música.”

Entre as parcerias que o músico teve, duas delas ficaram marcadas. A com o escritor Paulo Coelho rendeu canções como As Minas do Rei Salomão e A Hora do Trem Passar, entre outras. Outro que marcou presença na carreira do ‘Maluco Beleza’ foi Marcelo Nova. A parceria, que teve início em 1988, foi convite do próprio Marcelo, após Raul ter se afastado dos palcos por algum tempo. O resultado? Um disco de peso chamado Panela do Diabo, assinado pelos dois.

E foi na turnê dessa parceria que o fã andreense Alexandre Bachega conseguiu ver seu ídolo de perto, em dezembro de 1988, no palco do Clube Atlético Aramaçan, em Santo André. “Raul já estava doente, não tinha mais a energia que tinha nos palcos, mas foi algo indescritível, ver um dos meus ídolos de perto. Eu estava próximo ao palco, portanto, apenas a alguns metros do Raul, foi uma emoção que nunca vou esquecer”, afirma.

Bachega foi fisgado pela música de Raul aos 14 anos. Hoje, aos 42, ele continua apaixonado pela obra do baiano. “Raul foi um meteoro que passou pela música brasileira. Quase 25 anos depois de sua morte, a legião de fãs dele só cresce. Tenho um exemplo em casa, meu filho, Luiz Fernando. Quando perguntam o que ele mais gosta de ouvir, ele responde sem pensar: Beatles e Raul Seixas.”

Outro nome de Santo André que teve bom contato com Raul é o guitarrista, cantor e compositor Sérgio Vicentini, conhecido como Sérgio Papagaio. Hoje com 61, e em trabalho de gravação de seu próximo disco solo, o músico, que já passou por grupos como O Terço, tocou com Raul no início dos anos 1980. Hoje, contando é divertido, mas Papagaio diz que viveu vários apuros com o baiano.

“Eu estava nas piores roubadas do Raul”, brinca. Uma delas foi no espaço Adrenalina, em São Bernardo. “O Raul não aparecia, então liguei para a mulher dele e ela disse para eu ‘sumir de lá’, pois o Raul havia sido internado e não apareceria. Havia umas 10 mil pessoas lá dentro e mais um monte do lado de fora. Saí de lá com medo.” Segundo o guitarrista, o público chamava por seu ídolo e o DJ local teria ofendido Raul no microfone. “O lugar veio abaixo e nunca mais reabriu.”

Mauro Ross, de Mauá, canta as músicas de Raul desde 1982 junto da banda Ecologia. Aos 54, ele toca com o filho, usa barba e roupas iguais às de Raul. “Tem gente que me confundia com ele quando ele era vivo. Eu já tive que mostrar RG para provar que não era ele”, diverte-se. “Vi o Raul ao vivo em São Caetano. Ele estava atrasado, chegou em um Fusca, desceu e foi direto para o palco. Parece que ele é imortal, onde eu toco, vejo gente de todas as idades cantando as músicas dele.” 

Foto Raul Seixas: Celso Luiz.

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