Gostaria
de saber quão desafiador foi preparar o segundo disco. Acredito que
seja muita responsabilidade superar um trabalho de estreia, não?
Não
saberia dizer ao certo se podemos chamar isso de responsabilidade.
Fizemos o nosso primeiro álbum ("Order of Chaos") em 6
meses, dos primeiros ensaios de Janeiro de 2014 ao início das
gravações em Junho daquele ano. Estávamos com a gana por fazer
algo que representasse nossas ideias e servisse como nosso cartão de
visita, sem a necessidade de divulgarmos alguma demo ou EP inicial,
queimando cartucho. Sabíamos que era possível chegar com algo, de
certa forma, relevante entre as bandas do estilo e nos propusemos a
correr tal risco. Lançamos no Brasil o nosso debut album em Dezembro
de 2014 e o saldo por parte da mídia, tanto daqui quanto da gringa,
foi muito positivo.
Ao
começarmos a pensar no segundo álbum, que veio a se chamar
"ALieNation", fizemos tudo com mais tranquilidade e dessa
vez tivemos o envolvimento da banda toda, diferente do primeiro álbum
que foi composto basicamente por duas pessoas (por Elvis Santos -
baterista da banda - e por mim, pela questão de não termos baixista
na época da composição do "Order of Chaos - Francisco Stanich
entrou na banda no início das gravações de bateria). Isso trouxe
uma unidade única ao grupo e ao novo trabalho, uma dinâmica
diferente e favorável para que fizéssemos tudo com mais consciência
e experimentação para que tudo soasse bem aos nossos ouvidos, da
forma que imaginávamos e que foi previamente trabalhado com o
produtor musical Fabiano Penna (o mesmo que produziu o álbum
anterior). Por isso tudo não sentimos um peso em fazer algo maior, e
sim em fazer algo que fosse a cara da banda nessa fase atual. A
superação que você comentou foi sentida apenas na parte de
execução musical de cada um, na produção dos sons, na mixagem,
masterização e parte gráfica, e acredito que nesses quesitos a
gente conseguiu dar um passo além.
Quanto
tempo levou para fazer esse trabalho?
Começamos
a nos reunir para compor esse novo trabalho por volta de abril e maio
de 2015, quando mostrei as minhas primeiras novas ideias pro pessoal.
Fomos lapidando algumas coisas e criando muitas coisas do zero, no
formato dos três caras mesmo, somando com as várias ideias do Elvis
e do Francisco, ensaiando bastante, gravando prés e trabalhando
junto com o produtor Fabiano Penna. Somando todo esse processo, posso
considerar que levamos um total de 14 meses, sendo 9 meses de
composição, 1 mês de pré-produção, 3 meses de gravações e 1
mês de mixagem e masterização, tudo isso ensaiando no paralelo.
Gastamos quase meio ano a mais (5 meses) que o primeiro álbum e isso
foi ótimo para fazermos tudo da forma que achávamos correto para
esse trabalho, sem pressão ou correria.
Você
costuma escutar outras bandas antes de fazer um disco assim para ter
inspiração?
Particularmente,
não. Me preocupo muito em trabalhar focado, evitando interferência
externa na composição. Às vezes ao se buscar referências
artísticas externas, você pode acabar se deixando levar e fugindo
do caminho natural do seu trabalho, principalmente se as referências
forem muito próximas ao seu estilo. Escuto muita música no dia a
dia e quem me conhece de perto sabe que sou um cara bem aberto à
música boa, indiferente do estilo, e isso por si só já ajuda a
direcionar as ideias e coisas novas. Como escuto metal desde meus 12
anos, não tem perigo de eu tocar algo que fuja do estilo que está
tão inserido no meu paladar musical, digamos assim. A inspiração
pra mim pode vir de um ambiente, de uma situação, de algo visual,
não tanto de novas referências musicais externas, sabe?
O
disco é todo independente? Se sim, como é seguir nesse formato de
trabalho, apenas com recursos próprios? O que há de positivo e de
negativo?
Independente somente na parte de custeio de produção,
ensaios, gravação, mixagem e masterização. Fazemos questão de
termos domínio sobre o nosso trabalho, de podermos oferecê-lo para
os selos que quisermos, tanto daqui quanto de fora. Sei que é
redundante mas o ruim ter de utilizar recursos próprios para fazer a
banda avançar é o fato de termos de usar mesmo grana própria, seja
tirando do caixa da banda ou do bolso de cada integrante. Banda nova
não possui um fluxo de caixa considerável para reverter nos custos
internos e isso, pensando em empresa, tem de sair de algum lugar, e
muitas vezes essa diferença sai do bolso dos donos do negócio, que
no nosso caso leia-se "integrantes da banda". O positivo
com certeza é a liberdade para barganhar melhores condições em
todas as esferas. Podemos oferecer o álbum para selos gringos com
condições melhores do que se tivéssemos apenas uma demo, torcendo
para que eles investissem na banda, na gravação, produção, ente
outras. Foi assim com o nosso primeiro álbum, que saiu na Europa por
um selo da Espanha (Hecatombe Records). Na real, você tem que
acreditar na tua ideia primeiro do que os outros, inclusive fazendo
com eles se encorajem à acreditar em você após sentirem que é
verdadeiro. E o feito é melhor do que o perfeito, ou seja, a banda
tem de arregaçar as mangas e ir pra cima, sem esperar que algo caia
do céu. Sobre a prensagem do "ALieNation", ela ficou por
conta do selo paulistano Vingança Music, que lançou também nosso
primeiro álbum, e a distribuição ficou por conta deles com a
parceria da Voice Music. Acredito que todos as novas bandas, e incluo
nesse ponto a Blackning por termos apenas 2 anos de vida (mesmo com 2
cds lançados e duas turnês nacionais na bagagem), tem que fazer
acontecer por seu próprio mérito para, aí então, estar apta a
chamar atenção de alguém. Gravadoras são nada mais do que bancos
que investem uma grana num artista esperando um retorno, e ficar
atrelados 100% à bancos não é tão bacana quanto possa aparecer.
Vocês
são preocupados com timbres, prezam por bom resultado de gravação,
fazem clipes. Como é dar conta de tudo isso? São só vocês três
fazendo tudo?
É muita correria e isso nos cobra que sejamos
regrados para não deixar passar nada batido. Na Blackning
trabalhamos com cronogramas anuais, que desmembramos inclusive em
tarefas diárias, com itens dedicados para cada integrante. Ou é
assim, como uma empresa, ou o trem sai do trilhos. Sempre temos
pedras no caminho de nossas vidas particulares que temos que
ultrapassar, mas aí alguém na banda cobre o outro para que tudo
continue andando. E assim, na parceria, a parada vai indo. E nisso
falo apenas das partes burocráticas, vender shows, organizar
logística, cuidar de estoque de merchandising, envio de material por
correio, marcar ensaios, etc. Ainda temos a parte de ensaiar,
praticar, viver a música mesmo, saca? Por hora, a banda cuida dessa
parte toda, mas temos parceiros na parte de assessoria (Agencia 1A1),
que era o nosso gargalo e que nos ajudam com entrevistas, notas na
mídia, redes sociais, etc. Somos apenas três rapazes
latino-americanos tentando tocar seu próprio negócio que tanto
amam, mas sozinhos ficaria bem difícil. O sonho geral dentro da
banda é cuidar apenas da música, ensaiar, compor, tocar ao vivo,
etc, mas sei que nos moldes atuais do mercado musical, essa opção
está descartada.
E
por falar em clipe, esse disco terá algum?
Terá
sim, pelo menos dois. O primeiro já foi gravado pelo nosso amigo de
longa data Denis Di Lallo, que produziu inclusive nosso primeiro
clipe (da música "Thy Will Be Done", do primeiro álbum,
"Order of Chaos"). Escolhemos a música "Mechanical
Minds" para abrir os trabalhos por causa da temática e por
mostrar outra faceta da banda, um som mais cadenciado, de pegada. O
clipe está atualmente na parte de edição, mas em breve iremos
divulgar o trabalho e esperamos que a galera curta.
O
nome do disco faz relação a algo que você enxerga na sociedade
como um todo hoje? Como você vê o sistema em que vivemos
hoje?
Ao
meu ver esse álbum aborda fortemente o momento da sociedade, que é
de alienação. Pessoas estão alienadas em seu celular, num tipo de
autismo funcional, em suas redes sociais e seu voyeurismo, em suas
vinganças, em seus rancores, em seus ideias políticos,
preconceitos, etc. Ao começarmos a desenrolar a parte lírica do
álbum, vimos que tudo que escrevíamos tomava esse caminho temático
e aí decidimos usar o nome 'alienation' (alienação em inglês)
para o álbum, mas brincando com as palavras, fechando em
"ALieNation" (alienação + lie = mentira + nation = nação,
ou seja, uma nação alienadora e mentirosa). Atualmente o povo
acredita em tudo que vê e lê, não contesta, não tenta forçar a
vista e o entendimento para ir além do contexto que cospem para os
ares em forma de notícias e opiniões. Isso é horrível pois vejo
amigos debatendo temas e desfazendo amizades por diferentes ponto de
vista, pessoas perdendo negócios por ideais diferentes, enfim, o
povo está com a vista turva ocasionada por essa nuvem que se
instaurou no ar. Espero que logo menos consigamos todos enxergar que
a mudança no sistema começa por nós, aqui debaixo e que todos
estão por aqui apenas para viver da melhor maneira possível, de
preferência sem afetar negativamente a vida alheia.
Sua
música serve para alertar de problemas sociais?
Nossa
música serve sim, mas não nos prendemos somente à isso. Música é
arte, feita para ser apreciada. Pode ser contestadora sim, mas
acredito que ela deva ser os dois. Particularmente não curto música
feita somente para servir de alerta à alguém, pois acho que a
música é mais do que isso. Ela
tem de passar uma sensação, seja ela qual for, amor, vitória,
raiva, medo, etc, e com isso entreter de alguma maneira, como um
filme e fazer o ouvinte a pensar. Pensando nisso, inclusive, fizemos
algo bacana no álbum novo, como diferencial, que foi inserir QR
Codes de todas as letras no encarte, que levam as traduções,
exatamente para o ouvinte vivenciar uma experiência mais completa e
sacar a ideia da banda.
Qual
a canção mais forte desse disco, em termos literários, na sua
opinião?
Por
gosto pessoal e em termos apenas de letra, gosto muito da "Thru
the Eyes", que reflete aquele autismo funcional que comentei
anteriormente, daquelas pessoas que vivem no celular, nas redes
sociais e se esquecem da vida real, e curto muito também a letra da
"Mechanical Minds", que fala de uma pessoa que sofre a
imposição da vida em seguir o mesmo caminho de todos, do sol a sol,
trabalho fixo, casa própria, etc, o fato de ter de seguir a manada
para ser considerado normal. Mas com certeza cada letra mexerá de
forma diferente para cada pessoa, e essa é a ideia, a interpretação
pessoal de cada tema.
Qual
a principal mensagem que quer passar com esse trabalho?
Se
analisarmos a capa, verá que existe uma conexão com nosso primeiro
álbum. Desde aquela época falamos de uma Ordem que domina o mundo,
controla governos, o mercado, o dinheiro e a população. A ordem,
simbolizada pela caveira nefasta, segura uma criança, que pode ser
considerada a sociedade e que será doutrinada por essa ordem, de
modo a ser manipulada desde o berço. No primeiro álbum (Dezembro de
2014) a ideia tratava exatamente da implantação do caos que
chacoalha o mundo, os países e os líderes. Os temas abordavam quase
que na sua totalidade os assuntos relacionados à isso. Já nesse
novo trabalho (Junho de 2016), novamente falando da capa do álbum, a
criança que simboliza essa nova sociedade cresceu, já está sendo
doutrinada, alienada pela ordem e se vê debaixo das asas dessa
maldade toda. No fim, os temas acabaram sendo bem atuais e no
'timing' certo que vivenciamos no dia a dia, mas sei que o mesmo
nunca ficará datado.
Qual
a maior dificuldade que sua banda enfrenta para divulgar seu
trabalho?
Acho
que as mesmas dificuldades que muitas bandas passam, inclusive as com
mais anos de estrada do que a gente. Na nossa região das sete
cidades, acho que seria legal falar da questão de espaço e
condições ideais para apresentações do estilo. Bares de rock
existem, mas preferem dar atenção à bandas covers pois o público
comparece e injeta grana no negócio local. Por aqui, eventos de
bandas autorais acabam ficando em segundo plano, o público fica
aquém do esperado e desanima os organizadores que fazem acontecer
por conta própria. Ao mesmo tempo, a Blackning, e falo também por
mim em específico e pelo Elvis, nunca tivemos oportunidade de tocar
em eventos públicos da nossa própria cidade, Santo André, ou de
outras cidades da região, como São Bernardo e São Caetano, eventos
esses organizados 100% pela prefeitura e seus departamentos de
cultura. Acho curioso, pois o que sempre fizemos foi deixar material
completo nesses departamentos, mas ao mesmo tempo faz com que sigamos
na contra mão, fechando turnês nacionais e futuramente dando passos
ainda maiores, buscando sempre o crescimento da banda, nem que para
nossa própria região o reconhecimento deles venham de fora para
dentro. Espero que a questão de tocar na região mude, mas também
não será essa questão que irá atrasar os nossos passos, de forma
alguma. Seguimos na luta com as cartas que temos na mão.
Quais
os próximos planos?
Estamos
no momento em turnê nacional. Já tocamos nos últimos dias em Porto
Velho/RO, Rio Branco/AC, Belém/PA, Imperatriz/MA e Parnaíba/PI,
voltamos para São Paulo para cumprir com alguns compromissos e
entrevistas e agora no dia 24/06 subiremos novamente para mais uma
perna da turnê, passando por Fortaleza/CE, Mossoró/RN, João
Pessoa/PB, Cruz das Almas/BA, Serrinha/BA, Esplanada/BA e
Paraisópolis/MG. Tem sido muito legal passar por alguns lugares que
tocamos anteriormente, mas tocar em novos locais é tão legal
quanto. Ainda temos algumas regiões a atacar, como centro-oeste e
sul e a ideia é resolver essa questão em breve. Para esse ano
ainda, estamos fechando também algumas parcerias e temos o intuito
de fazer algumas datas pela América do Sul, como Argentina, Chile,
Peru, Bolívia, Paraguai, etc, seja como banda principal em eventos
menores ou como suporte em eventos maiores. E depois, no começo do
ano que vem, algo pela Europa. Estamos organizando o cronograma
semestral e esperamos viabilizar tudo o mais breve possível.
Quer dizer algo mais?
Quero
aproveitar e convidar à todos que confiram nosso trabalho pela web,
acessando o site www.blackning.com,
onde poderão acompanhar todas as nossas novidades, músicas, vídeos,
datas de shows e conferir nosso material à venda, camisetas, CDs,
adesivos e tudo o mais. Em breve esperamos tocar por aqui, para assim
mostrarmos à que viemos e assim revermos todos os amigos que nos
apoiam há anos. Obrigado novamente e nos veremos na estrada.